segunda-feira, 30 de março de 2015

As questões dos números...


As questões dos números:


Há uma relação significativa entre matemática e linguagem. Diríamos até que os princípios simbólicos regem ambas de uma forma importante, de tal maneira que uma criança com dificuldades linguísticas poderá, certamente, apresentar dificuldades matemáticas.


Vejamos: o conceito de número envolve uma rede de relações entre o símbolo numérico (o número), o nome do número (para qualquer outro símbolo seria o significante ou a componente acústica/sonora) e o seu significado, expresso numa situação concreta como uma imagem.


Os números podem representar um conjunto de coisas (ex: cinco bolas, sete gelados). Neste contexto, percebemos a importância cardinal do número. Mas um número pode ser usado apenas na sua forma nominal, tal como acontece com os autocarros (o autocarro número 201 passa aqui frente à clínica). Para além estas duas formas (cardinal e nominal), um número pode exprimir uma ordem entre os elementos (página 20, casa 20) mostrando a sua natureza ordinal. Percebemos, por todos os significados possíveis, como vai ser importante, para o desenvolvimento da criança, ela ser capaz de analisar e inferir como interpretar um número...


O próprio conceito de “zero” é desafiante, uma vez que não pode ser tomado como a ausência de elementos: sabemos que “zero” é o ponto de fusão do gelo. Mas a questão complica-se mais um pouco quando, relativamente aos números, percebemos que a posição de um número é um símbolo em si mesmo. Ou seja, uma sequência de dois dígitos 02 ou 20 indica dois números diferentes. Usar a posição como símbolo é um passo gigantesco em relação à abstração.


Daqui até à interpretação de um problema matemático é um longo caminho.

Há, por exemplo, palavras, dentro o enunciado matemático, que indicam a operação matemática a usar. Crianças com dificuldades de processamento linguístico podem ainda não ter estabelecido esta relação para verem a sua vida matematicamente facilitada.


O caminho a seguir no ensino da matemática deve ser o que " ajudar os alunos a vincular explicitamente o significado (do que leem) ao procedimento " (Resnick, 1982). E para muitos deles a associação entre o significado do que é expresso e o que daí resulta em evidência como caminho a seguir é difícil:

“Eu acho a linguagem matemática difícil mas lido muito bem com os números.”

“A maioria das palavras que se usam em matemática nunca se usa numa conversa.” (Haylock, 2006)


Lembro-me de estar numa aula de pós-graduação de Linguagem na Faculdade de Medicina de Lisboa com o Prof. Doutor Castro Caldas e de ele dizer “problemas matemáticos até os bebés resolvem. É só uma questão de sabermos como lhe colocar o problema.” Em 1992, Karen Wynn  publicou uma experiência fulcral para a compreensão das questões matemáticas nos bebés. Sabia-se já que os bebés eram capazes de demonstrar habituação  (perante uma foto  ou um objeto mostrado sistematicamente o bebé diminui sensivelmente o tempo do olhar, revelando que já se habituou ao que lhe é mostrado. Mas se for mostrada outra imagem ou outro objeto diferente verifica-se que há desabituação e que o bebé fica a olhar mais tempo para o estímulo novo para “registar” todas as diferenças) e esta foi a sua base de registo, relativamente às respotas dos bebés. Tendo concluído, conforme publicou na revista Nature: “HUMAN infants can discriminate between different small numbers of items and can determine numerical equivalence across perceptual modalities. This may indicate the possession of true numerical concepts.” (Wynn, 1992)




Os bebés de 5 meses de idade viam (um, dois ou três) bonecos do Mickey a ser colocados atrás de uma cortina, em cima de um pequeno palco. Quando se levantava a cortina, os bebés podiam presenciar o resultado dessas adições através de resultados matemáticos corretos (passíveis de serem traduzidos por equações do tipo: 1+1=2, 2+1=3) ou incorretos (passíveis de serem traduzidos por equações:  1+1=1, 2+1=2). Nas incorretas, um experimentador escondido atrás do palco retirava um boneco. Os bebés ficavam mais tempo a olhar para as equações incorretas.


O que isto mostra é que conseguimos resolver problemas matemáticos (naturalmente numa grandeza evolutiva) mas mostra também que se o problema não estivesse posto de uma forma simples os bebés não teriam sido capazes de “responder”.


O processamento linguístico correto é fundamental para a comunicação, para a própria linguagem, mas é-o também para as questões da literacia e da matemática.

O que acham?


Haylock, D. (2006). Mathematics esplained for primary teachers. Sage Publications.

Resnick, L. (1982). Syntax and Semantics in Learning to Subtract. In T. Carpenter, J. Moser, & T. Romberg (Edits.), Addition and Subtraction: a Cognitive Perspective.

Wynn, K. (1992). Addition and subtraction by human infants. Nature , 749-750.

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