As questões dos números:
Há uma relação significativa entre matemática e linguagem. Diríamos até
que os princípios simbólicos regem ambas de uma forma importante, de tal
maneira que uma criança com dificuldades linguísticas poderá, certamente,
apresentar dificuldades matemáticas.
Vejamos: o conceito de número envolve uma rede de relações entre o
símbolo numérico (o número), o nome do número (para qualquer outro símbolo
seria o significante ou a componente acústica/sonora) e o seu significado,
expresso numa situação concreta como uma imagem.
Os números podem representar um conjunto de coisas (ex: cinco bolas, sete
gelados). Neste contexto, percebemos a importância cardinal do número. Mas um
número pode ser usado apenas na sua forma nominal, tal como acontece com os
autocarros (o autocarro número 201 passa aqui frente à clínica). Para além
estas duas formas (cardinal e nominal), um número pode exprimir uma ordem entre
os elementos (página 20, casa 20) mostrando a sua natureza ordinal. Percebemos,
por todos os significados possíveis, como vai ser importante, para o
desenvolvimento da criança, ela ser capaz de analisar e inferir como
interpretar um número...
O próprio conceito de “zero” é desafiante, uma vez que não pode ser
tomado como a ausência de elementos: sabemos que “zero” é o ponto de fusão do gelo. Mas a questão complica-se mais um pouco quando, relativamente aos
números, percebemos que a posição de um número é um símbolo em si mesmo. Ou seja,
uma sequência de dois dígitos 02 ou 20 indica dois números diferentes. Usar a
posição como símbolo é um passo gigantesco em relação à abstração.
Daqui até à interpretação de um problema matemático é um longo caminho.
Há, por
exemplo, palavras, dentro o enunciado matemático, que indicam a operação
matemática a usar. Crianças com dificuldades de processamento linguístico podem
ainda não ter estabelecido esta relação para verem a sua vida matematicamente
facilitada.
O caminho a seguir no ensino da matemática deve ser o que " ajudar
os alunos a vincular explicitamente o significado (do que leem) ao procedimento
" (Resnick, 1982) . E para muitos deles
a associação entre o significado do que é expresso e o que daí resulta em
evidência como caminho a seguir é difícil:
“Eu acho a linguagem matemática difícil mas lido muito bem com os
números.”
“A maioria das palavras que se usam em matemática nunca se usa numa
conversa.” (Haylock, 2006)
Lembro-me
de estar numa aula de pós-graduação de Linguagem na Faculdade de Medicina de
Lisboa com o Prof. Doutor Castro Caldas e de ele dizer “problemas matemáticos
até os bebés resolvem. É só uma questão de sabermos como lhe colocar o
problema.” Em 1992, Karen Wynn publicou uma
experiência fulcral para a compreensão das questões matemáticas nos bebés.
Sabia-se já que os bebés eram capazes de demonstrar habituação (perante uma foto ou um objeto mostrado sistematicamente o bebé
diminui sensivelmente o tempo do olhar, revelando que já se habituou ao que lhe
é mostrado. Mas se for mostrada outra imagem ou outro objeto diferente
verifica-se que há desabituação e que o bebé fica a olhar mais tempo para o
estímulo novo para “registar” todas as diferenças) e esta foi a sua base de
registo, relativamente às respotas dos bebés. Tendo
concluído, conforme publicou na revista Nature:
“HUMAN infants can discriminate between
different small numbers of items and can determine numerical equivalence across
perceptual modalities. This may indicate the possession of true numerical
concepts.” (Wynn, 1992)
Os bebés de 5 meses de
idade viam (um, dois ou três) bonecos do Mickey a ser colocados atrás de uma
cortina, em cima de um pequeno palco. Quando se levantava a cortina, os bebés
podiam presenciar o resultado dessas adições através de resultados matemáticos
corretos (passíveis de serem traduzidos por equações do tipo: 1+1=2, 2+1=3) ou
incorretos (passíveis de serem traduzidos por equações: 1+1=1, 2+1=2). Nas incorretas, um
experimentador escondido atrás do palco retirava um boneco. Os bebés ficavam
mais tempo a olhar para as equações incorretas.
O
que isto mostra é que conseguimos resolver problemas matemáticos (naturalmente
numa grandeza evolutiva) mas mostra também que se o problema não estivesse
posto de uma forma simples os bebés não teriam sido capazes de “responder”.
O
processamento linguístico correto é fundamental para a comunicação, para a própria
linguagem, mas é-o também para as questões da literacia e da matemática.
O que acham?
Haylock, D. (2006).
Mathematics esplained for primary teachers. Sage Publications.
Resnick, L. (1982). Syntax and Semantics in Learning to
Subtract. In T. Carpenter, J. Moser, & T. Romberg (Edits.), Addition and
Subtraction: a Cognitive Perspective.
Wynn, K. (1992). Addition and subtraction by human infants. Nature ,
749-750.
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